A Solidão é Comunista

                    Rosa Pena



Acordou com o barulho das crianças no andar de cima. Não precisou se levantar, pois nada a esperava. Aposentou-se do trabalho há dez anos e da vida há quatro.
Era tão cedo que o porteiro ainda não havia colocado o jornal em sua porta. O Activia também não apresentava seus efeitos.

Hoje é segunda-feira?

Voltou a pensar nos direitos humanos e as proteções legais a eles. Concordava plenamente. Um absurdo a homofobia, o bullying, qualquer forma de racismo, o desrespeito aos deficientes físicos. Mas cadê a lei que proíbe a solidão? Aquela que estupra, tortura, discrimina, isola o coração? Essa maldita que o Criador deixou de mimo para todos sem distinção.

Terça?

Ah! Dirá alguém... Existem os “Eikes Batistas”, que possuem carros fabulosos, aviões, filhos, barcos, restaurantes, mil amigos, mulheres do estilo Martinho da Vila ("Já tive mulheres de todas as cores, de várias idades, de muitos amores...”) tudo na proporção de suas contas bancárias, que não sofrem desse mal. Como não? Vivem de trocas, na eterna busca do poder. Para preencher o quê? Diga, se for capaz, que não é o vazio existencial. O ditadinho de merda, “que dinheiro não traz felicidade” até que é um pouquinho verdadeiro, pois a grana compra e suborna tudo, exceto a solidão. Essa filha da puta é honesta, honestíssima, não aceita propina de ninguém e trata todos da mesma forma. Ela é marxista, maltrata democraticamente.

Quarta?
 
Seu João  é “pobre pobre pobre de marré marré deci". Mora no morro, teve um bocado de parceiras, quinze filhos, e hoje só com muita cachaça, suporta a vida. Dr. Marcelo, classe média alta, um Peugeot novo, AP próprio, divorciado duas vezes, casado atualmente com uma de suas peguetes, afirma no bar de todos, que sua melhor companhia é o Rivotril. Joana é riquinha. Reside no Leblon, já fez bodas de tudo, ta quase na de ouro. A filha concluiu o mestrado na PUC, virou uma executiva, casou com um reizinho e... Joana vai a Europa compulsivamente todos os anos e faz análise esses anos todos. Adora uma bolsa Gucci com uma caixa de Frontal dentro.
 

Quinta?

O pior é que a solidão, protagonista dessas malfadadas linhas, não ataca só a galera da "Feliz idade" como pode parecer nas entrelinhas. Aliás, quem inventou essa da idade foi a turma que adora auto-ajuda (vendem livros adoidado, logo foram ajudados). Eles afirmam que a vida vive de altos e baixos (a idade do salto oito e do Usaflex?), mas só na juventude. Com a idade chegam as realizações... e a artrose.


 Sexta?

Desde que nascemos padecemos da safada. O recém-nascido nasce aos berros porque sai da proteção materna. O adolescente se isola (se sente incompreendido por todos). E o adulto (tão esperto) corre atrás de algo o tempo inteiro. Quando acha fica sem ter o que fazer (perdeu o objetivo) e quando não encontra fica frustrado. Socorro! Por que, insensata mulher, querer uma passeata contra a solidão? Reuniria mais gente do que Woodstock, mas ela permaneceria intacta com seus poderes de sacanear os humanos.
 
Sábado?
 
Activia começou a fazer efeito e o jornal chegou. Definitivamente não há mais tempo a perder com o halloween que festeja indevidamente seu dia em mentes vazias. O melhor é soltar as bruxas junto com o fettuccine da véspera, puxar a válvula e assistir o louro José.

 Mas hoje é domingo... Ou não?
 
Restou a opção de pensar na frase de Carlos Néri, um dos discípulos da Pollyanna, a rainha da resignação. “Lembre-se que os sonhos sempre serão a melhor companhia do humano”. Daí você não entra pelo cano. Hahai (Sílvio Santos vem ai?) virou uma rima, mas não uma solução, não é mestre Drummond? A pedra continuará eternamente no caminho.

Para que tanta preocupação com o calendário se os dias são absolutamente iguais?

Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 19/07/2011
Alterado em 25/07/2011
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