C'est la vie

                         Rosa Pena




Ele foi o primeiro a perguntar se nós já tínhamos assistido ao filme “As Invasões Bárbaras “ (Canadá/França). Isso foi em 2004, numa fase em que a vulnerabilidade havia tomado conta do meu lar. Meu marido tinha acabado de colocar três stents em estado emergencial.

Um filme que ganha o melhor argumento no festival de Cannes é um tremendo indicativo. Apesar de sermos cinéfilos tínhamos perdido esse genial irmão do filme Kolya (tcheco). Cinema naquele momento não era a prioridade. A vida sim. Sempre! Até mesmo quando a gente imagina que ela não presta. Basta ficar doente que São Expedito vira o melhor amigo.

Ele, quando ia nos visitar, falava tanto, mas tanto sobre o tema, sobre o parentesco entre os dois filmes, que começou a ficar imprescindível vê-lo. A analogia à morte e ao mundinho novo. Em Kolya o pós-queda-do-muro, em Invasões o pós-queda-das-torres. Acabamos por não resistir e apesar do meu marido e eu estarmos de repouso absoluto e proibidos de emoções fortes, pegamos o bendito filme na locadora.

Vimos, revimos, choramos, comentamos muito com ele, comentamos com todos os outros amigos. Eu o elegi, naquele outono, como um dos mais fantásticos roteiros que assisti.

Quando tivemos alta definitiva, voltamos ao nosso chopinho semanal no Bracarense. Foi lá que praticamente firmamos o pacto de morrer daquela forma bem bolada por Denys Arcand (roteirista e diretor). Todos os amigos juntos, muito som, discussões ideológicas, afeição a flor da pele, eutanásia como uma forma de dizer não a deterioração do ser humano, todas as bebidas, cigarro, charuto e tudo mais que se quisesse fazer ou consumir. É proibido proibir. Um final digno para uma vida bem vivida regada a um Chateau Le Gay Pomerol. Mas, antes da chegada da maldita desdita (ela que esperasse bastante) ficou acertado irmos, os quatro, ao Vale do Loire. Já tínhamos ido à França, mas separados. Juntos? Ula lálá! Seria cacetoplânico.

É óbvio que falar numa mesa de bar onde estamos com tudo em cima, é como falar do holocausto indígena. A gente sabe que existe, mas está bem longe.

Ano passado o câncer apareceu. Primeiro num lugar e ele tirou de letra. Depois reapareceu em outro. Ele tirou, mas não de letra. Agora em outro. Ele não tirou.

Seu filho, exatamente como em Invasões Bárbaras, que era o mais afastado dele, quase inimigos íntimos, se chegou geral. Tem sido o maior companheiro que na vida a gente pode sonhar. 

Fomos convidados, junto com outros amigos, para passarmos o próximo fim de semana com eles. Eu havia gostado demais do filme na tela. Está muito difícil imaginá-lo fora dela. Mas, apesar do mundo atual estar tão deselegante, ele permanece com bom gosto. Até para dizer adeus.

Pena que não fomos juntos ao Vale do Luar. É uma droga a gente ficar adiando projetos. Dá pra fazer? Faça logo!

Eu espero não eleger nesse outono, um dos mais tristes roteiros que já vivi. 

 
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 31/08/2010
Alterado em 06/12/2010
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