O pecado natalino

Rosa Pena

 

 

Ficou resolvido para todo e sempre que a ceia seria consecutivamente na casa de Lúcia. 

Em 2006 foi na casa de Carmem, antes do pecado se fazia revezamento entre as irmãs, mas depois dele na última reunião, ficou decidido que a centrada e estabilizada Lucinha é que realmente tinha legitimidade para fazer as honras para o menino Jesus. Judas não poderia jamais oferecer ceia e ponto final.

 

Carmem se divorciou cedo, mas por opção resolveu não casar mais, apenas um ou outro eventual namoro, alguns casos mais quentes e a dedicação de seu tempo ficou entre o trabalho e as crianças da Mangueira, oferecendo seus conhecimentos e a ternura guardada para o filho que não brotou em sua barriga.

 

Lúcia por sua vez casou tarde, teve muitos filhos, fez e faz todas as vontades da família, dedicação integral ao lar. Já tem netinhos e vive preocupada com as Barbies e o Power Ranger que ainda não chegaram ao Brasil. Mas deixa estar que até o Natal ela pede à algum muambeiro para trazer esses novos modelitos. Afinal é Natal e Natal é Jingle Bells importado.

 

Nada diferente dos Natais anteriores aconteceu em 2006, exceto o pecado. Após umas doses a mais de combustível 12 anos, todos começaram a se preocupar com o estado civil de Carmem. Lúcia, entre críticas ferozes a quase mundana maninha e aflita por tratar das vontades do marido precioso, que por sinal já estava com sua dosagem de álcool pra lá do meio e contava com a boca cheia de farelos aquelas piadas que só ele achava graça, decidiu que arrumaria um marido em 2007 para a cunhada pelo bom nome da estirpe. Carmem quase o mandou se foder de verde e amarelo, mas silenciou-se pelo tal bom nome.


Meia-noite: Uma pequena pausa nos atritos, um brinde pela paz e união da família, algumas fotos e é chegado o momento da troca de presentes. Com ele a terrível surpresa que virou o pecado natalino.

 

Carmem não havia comprado absolutamente nada para os convivas. Mostrou um cheque onde havia feito uma doação para a escolinha de alfabetização do seu morro de coração. Um silêncio gritantemente reprovador. Lúcia resolveu quebrar o clima, afinal sua família não tinha culpa das loucuras da tia e partiu voando para a geladeira em busca de mais bebidas e tâmaras. Natal sem as tâmaras da sorte?

 


Ao abri-la observou que quase nada havia restado a não ser um pedaço de bacon e uma cidra vagabunda. Não perdeu a chance de dizer que se a irmã estivesse casada e não teimasse em ser Madre Carmem Tupiniquim a situação poderia estar bem melhor.


Início da madrugada a família de cara amarrada se desfaz e o cunhado já de tanque cheio, mas ainda encontra fôlego para soltar uma última piadinha: - Ano que vem trago uma lingüiça de dupla utilidade. Serve de companhia para esse bacon e para suas madrugadas mais mexidas que feijoada de bar.

 

Fim da noite do galo. Carmem totalmente sozinha, mas se sentindo muito bem acompanhada, analisou a situação vivida e concluiu: Antes um bacon na geladeira que um porco na sala.
Abriu com vontade aquela cidra que o mestre-sala verde e rosa lhe deu, fritou um ovo com o solidário bacon e brindou a vida. Viva a vontade de viver!


Não sabe até hoje se foi o álcool do espumante cigano, mas jura que viu o menino nascendo no céu entre estrelas com adereços e alegorias. Para sua surpresa Ele não nasceu chorando como as outras crianças, mas sim sorrindo muito feliz para ela. Piscou até o olho!


Esse ano vai cometer novamente o pecado. Concluiu que ele vai virar tradição no lugar do pinheiro com neve
made in China

Tumdumpararacundumdumdum batem as cuícas de Belém.

 

Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 10/12/2007
Alterado em 30/08/2008
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