Racional

      Rosa Pena


 
Não sou Carolina, mas o tempo passou e eu não vi.Agora, restam-me apenas palavras. Confissões de amor que passam batidas, com certeza nem lidas, quiçá sentidas de forma plena. Não vou chorar. Cansei de ficar com o nariz entupido e usar Aturgyl. Vicia!
 
Aceito ter como companheiro da noite, o controle remoto.

Vou considerar que o calor que sinto, não é excitação. É do tempo que anda louco. Tanto vulcão, terremoto, tsunami, viraram o mundo do avesso. Minhas bochechas queimam em função da destruição no Japão. Ora bolas!

Verei minha inquietude como raiva do repetido dia-a-dia, porque o feijão queimou, a falta de sol não deixou a roupa secar, a insistência de meu genro (medieval) que não pode existir amizade com sogra...

Não vou levar mais sustos com o soar do telefone de madrugada. Abaixarei a campainha. Aliás, ele nem toca mais!

Lerei agora bula, única e exclusivamente. É bom estar prevenida com os efeitos colaterais dos remédios. Da vida já sei as seqüelas. Uma delas é a burrice, a perda de conhecimentos. Cada ano que passa, mais um fio branco e menos um neurônio. Estranho o Niemeyer saber tanto. Ele deve ser a exceção a regra.

Fecharei as cortinas ao pôr do sol. Não quero mais vê-lo. Lembram meu olhar no espelho.

 Estrelas no céu são apenas astros luminosos. Bilac as ouvia porque já estava, para os jovens, esclerosado. Estranho, pois o poeta morreu com cinqüenta e três anos!

O barulho do mar é conseqüência de algum vento presente, que o agita. Nada de romancear. Não quero mais imaginar-me correndo nua na chuva. Pegaria uma gripe e isso daria trabalho a alguém, que ficaria injuriado de tomar conta da coroa.

Vou vestir tailleur bege em casamentos e eventos. Tudo bem comportado para quem já está na fronteira do outono com o inverno, e que sabe que só vale pelo que deixará de herança.

Meus jeans desbotados serão doados. Meu riso será contido, escondido, com as mãos na boca. Exigirei ser chamada de dona, senhora.

 Abdiquei de toda e qualquer fantasia.Não estou funesta, nem em festa. Virei apenas racional, sem grandes razões de viver.




ps: (refeita)  Livro: Com Licença da Palavra: 2003

Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 29/06/2011
Alterado em 11/09/2012
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