Nature Boy
 (Bullying) 

Rosa Pena


 There was a boy
A very strange enchanted boy
They say he wandered very far, very far 
 (Nature Boy) 


Era uma daquelas turmas que se agrupa por acaso na alfabetização e segue igual até o final do primeiro grau. Ninguém aceita sair dela. Vínculos e vícios adquiridos, manias conhecidas, amigos inseparáveis, inimigos admitidos. Até os professores eram escolhidos por eles.

Conheci-o em abril de 1993 quando fui substituir por poucos meses uma colega que foi ter neném. Ele, que queria ter nascido ela, era “o pele” percebi de cara. Não só por ser afeminado, mas por ser de uma submissão absurda como tantos de nós já fomos. Seu nome real era Lennon em homenagem ao John, porém a galera o chamava de Yoko e ele atendia nada feliz pelo feminino usado, mas sim para contentar a todos e ter companhia. As meninas não eram condescendentes, pelo contrário. Mulher só fica amiga de gay depois de adulta. Na adolescência, os hormônios pedem meninos homens. Meninas são só femininas, não são feministas.

A zona, portanto, era geral. Difícil de reverter, para quem chegou por último, no caso: Eu.

Era zombado, humilhado, explorado, porém nunca estava sozinho. Vivia cercado por todos os lados para tirarem vantagens, para terem o mártir que dava vazão aos recalques guardados.

Trabalho de grupo era Yoko sozinho.
Vem aqui de ré!
Apanha minha mochila.
Paga a coca e eu te dou um gole.

Irritante essa obediência em troca de aceitação. Sempre existiu, sempre existirá e eternamente contestarei e chorarei a afronta imposta a si mesmo para suprir lacunas.

Fiquei pau da vida com a família e com a direção da escola, por não fazerem absolutamente nada. Conversei seriamente com Luiz, o diretor, e ele me disse que Lennon nunca quis mudar de turma. Adorava os tais tiranos. E mais, que ele já havia concluído que o único método de se evitar rejeição é ficar em casa. E em alguns casos até piorava e muito. No caso do Lennon seus pais eram os primeiros a ignorá-lo.

Um dia, entrei na sala e ele estava lá completamente só. Onde estavam seus “amigos”? Não eram tantos? Ele sempre era o centro da roda. Cabeça baixa, mas dava para perceber as lágrimas. Cheguei perto e perguntei o acontecido.

Respondeu baixinho:
Hoje é meu aniversário.
Está triste por isso?
Não, foi porque quando cheguei recebi um pacote deixado na cantina, no qual havia uma calcinha vermelha, umas frases feias e outras coisas que nem vou falar.

Fiquei com muita pena e falei baixinho.

Olha estas pessoas não merecem sua amizade, tenha certeza disso. Ainda terá amigos pra valer.
Adultos são atarefados sempre?  Meus pais novamente esqueceram de meu aniversário.

Respondo, sem graça, que geralmente os mais velhos vivem com pressa. Por dentro sinto uma raiva incontrolada de pais e professores que brincam de  cabra-cega com a vida dos pequenos.

Agora, repleto de lágrimas, ele diz: 

Pois é “esses colegas”, apesar de tudo isso, sabiam que era meu aniversário, ainda que pra me torturar.

Droga de vida. Às vezes amado, às vezes rejeitado, mas nunca ignorado. Sua desonra no lar era tanta que as maldades na escola viraram honra.

Um pente dado a um careca ofende menos que o silêncio do abandono. 


PS:
Bullying (atos de violência física ou psicológica). De quem é a responsabilidade? Sem aliviar, a psiquiatra carioca Ana Beatriz Barbosa Silva é categórica: Dos adultos, isto é, dos pais e dos profissionais da escola. (livro: "Bullying - mentes perigosas na escola")

Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 30/06/2010
Alterado em 04/07/2010
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