Comportamento Geral
                         
Rosa Pena


 
 
Gilda trabalhou muitos anos na casa de meus tios, hoje é uma amiga da família e às vezes resolve dar uma mãozinha em dia de festas. No aniversário de titio, lá foi ela para ajudar e prestigiar, só que desta vez trouxe orgulhosamente seus netos. Duas crianças encantadoras, uma menina de seis anos, e um garotinho de cinco. Diferente do passado, filhos de empregados só ficavam na parte de serviço (mudou?), elas correram livremente pela sala e se sentaram no sofá junto ao meu primo Jorge que lá estava com Ana, uma conhecida nossa, que havia chegado de Londres há poucos dias.

Jorge com seu jeito alegre e solto, sessenta anos bem resolvidos, começou a brincar com os miúdos e logo já tinha um sentado em cada perna.

 
— Na Inglaterra você não poderia ter este comportamento com menores. Sentar no colo é visto como assédio - sentenciou Ana - que morou dez anos no exterior, fazendo mestrado na Tonga da Mironga do Kabuletê. Ela é uma intelectual da esquerda- direita- centro. Séria, erudita, vegetariana, macérrima, transparente, caga-regra de comportamentos, daquelas que saem com um livro pendurado e um olhar que discursa. Extremamente autoritária e solitária. Vive na fossa, faz terapia desde que nasceu ou nasceu no meio de uma.


Jorge é economista, estudou muito, carrega uma bagagem cultural imensa, mas não perdeu o gosto por um churrasco, adora uma cerveja, um rock arrebentando os limites auditivos, diz bom dia, boa tarde, boa noite, responde aos e-mails que lhe são enviados, adora sorrir, perdoa à falta da crase ou o excesso dela, um pacato cidadão, pai de uma filha que o olha permanentemente como se visse o Clark Kent em ação.


Nunca o tinha visto estressado. Como nunca não deve ser dito...

 
 — Se trato bem uma pessoa é por algum interesse, se for mulher então, ah! É porque tenho desejos pervertidos por ela; se pergunto: Tudo bem?— para um passante triste... Sou intrometido! Falar direito com nosso semelhante é coisa de gentinha, não combina com erudição. A massa pensante desse planeta faz o quê pela serenidade entre os homens, atualmente, de má vontade?
Que tipo de auxílio social à educação esses expoentes políticos e culturais estão nos prestando? Discutir espaço aéreo num Haiti destruído, pedofilia no Vaticano e de brinde proibição do uso de camisinha, bombardear navios que levam ajuda humanitária, entregar o Nobel da paz para um defensor de guerra (desde que ela seja justa) segundo o próprio ganhador! Desde quando alguma guerra consegue ser justa?

Em uma loja um vendedor sorri e faz elogios, é a sua profissão, não pega mal. Quando temos problemas contamos ao médico, ao advogado, ao psicólogo, confiamos tudo a um estranho, mas isso também é estritamente profissional. Então não é intromissão.
O que é afabilidade hoje em dia? Não existe uma escola que forme uma sociedade amistosa atualmente. O homem afetuoso é visto como inculto, a gentileza virou cafonice. Ela está bem longe de ser um item obrigatório na atualidade. Virou opção de desocupados, de leigos, de alienados. Nada disso é construído através de lições de educação e ética pelos que se acham cultos, pois estes estão envolvidos em usar sua sabedoria para consertar o mundo que estragaram, logo não possuem tempo para dizer obrigado, por favor, um alô. Sobra-lhes, porém, tempo para diagnosticar os males da sociedade. 

  
Fome, violência, e a maior de todas: — A solidão. Essa foi arquitetada pela elite por considerar que “pega mal” dizer o quanto se gosta de um amigo, que é ridículo sorrir do nada, um absurdo gritar um alô, vexatório elogiar alguém, idiotice dar um abraço, estender a mão, dar um tchau. Cultura é criticar com "ar blasé” a simplicidade no viver. Mariola está mais em extinção que a Amazônia. São esses pensadores de merda que continuam fomentando guerras.

Crianças podem brincar enquanto não chegam os mísseis.
Meu colo é “incultamente” normal
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 15/06/2010
Alterado em 16/06/2010
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