2010                         
          Rosa Pena

 
Eu imaginei um ano novo novinho em folha. Engatinhando em janeiro e depois crescendo aos pouquinhos com o cálcio do juízo dos homens. No verão a curtição de redescobrir o mar e me imaginar brincando na praia, ainda que com bloqueador, mas certa que o sol é luz, vida, jamais morte.
Tomar sorvete alucinadamente, andar de havaianas.

O ano ficaria adolescente no outono, inversamente  a metáfora, um bocadinho emburrado tendo crises de granizo fora de hora, perdendo uma ou outra safra de batatas, porém não deixando ninguém desabrigado, sem trabalho. Nublado como os guris de quinze anos.
 
Quando o inverno chegasse ele já seria um adulto bem resolvido. Civilizado e muito bem-educado. Saberia que não é permitido matar ninguém de frio, muito menos destelhar casas que foram construídas com tanto sacrifício. Furacão, terremoto, tsunami são coisas de ano revoltado. Ele não. Ele seria um ano sem penitências, sem castigos, sem culpas.
Ano que desce redondo. 

Envelheceria na primavera, florindo de alegria por ter sido um ano desencucado, desestressado, desarmado, desprovido de pecados mortais, apenas um ou outro capital ou menos ainda, indisciplina ou birras, como uma chuva fora de época ou um malcriado apagão, mas todo colorido de folhas e flores. 

2010! Ah 2010! Nasceu idoso como o Brad Pitt em "O Curioso Caso de Benjamin Button". Veio extenuado já na virada e com menos de quinze dias totalmente depauperado resolveu exterminar um povo que apesar de sempre ter sido castigado, teimosamente insiste em cantar pela vida ainda que com a garganta seca de sede.

Aninho danado onde mais do que nunca não se pode baixar a guarda, delirar na fantasia que todo mundo tem o que comer e onde dormir.

Aninho safado que não permite o faz de conta que todas as crianças possuem uma vaga na escola e uma cama limpinha no hospital pra necessidade, rara dentro de meu imaginário. Deveria existir um decreto onde ficaria estabelecido que menores não podem sofrer.

Aninho cretino que teima em fazer minha esperança madura, quase podre. Gostava dela bem verde!

Mas para que eu possa parar de chorar alto e tentar encontrar o meu sorriso resolvi voltar para o roteiro do filme Benjamin Button. Quem sabe 2010 não nasceu velho para acordar os homens da insistente mania de serem Deus?

Quem sabe ele não irá ao final  nos surpreender virando um neném? Preciso acreditar que as crianças haitianas vão enfiar os dedinhos em bolos de chocolate antes dos parabéns.


Preciso acreditar nos parabéns.

Preciso acreditar.

Preciso!

Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 19/01/2010
Alterado em 12/04/2011
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