Dálias Rosadas
                               Rosa Pena

 
 
Metrô lotado, portanto a proximidade era grande. Um sentado, outro em pé! Frente a frente. Ela não correspondeu diretamente ao olhar, mas deu alguns de esguelha. Já o cheiro dele não precisou entrar de viés por suas narinas, entrou direto e pleno. Odor de cinqüentão com tudo em cima, até o trema. Tipo de homem que não precisa de reforma alguma. Para disfarçar a inquietude ameaçadora da libido de senhoras em menopausa abriu sua agenda 2009.

Ainda não tinha escrito nada de nada nela. Escreveu dentista para quebrar o vazio da página que marcava o dia oito. Correu as folhas até chegar à data de agora. Ouviu a voz dele dizer bem baixinho:
— Daqui a pouco é depois e depois é passado e passado não é, era.
Encarou-o pela primeira vez. Ele sorriu o sorriso da ópera do malandro e ela não segurou o riso e a pergunta:
— Também implica com o tempo?

Lembrou de seus ontens. Num ontem tinha os braços de seu pai como armadura, noutro os beijos do amado que faziam brotar margaridas em sua saliva, mais adiante ela era rainha e cuidava das fraldas de uma princesinha linda, lá para trás lembrou de seu riso esperança, da crença de fazer pedido à estrela, do medo de passar debaixo de escada, de sair sempre com a benção da mãe, da certeza que estava imune às perdas, da convicção de que o sofrimento desconhecia seu endereço.
 
Ah! O ontem das rendas sem imposto, das flores na sala esperando a chegada do amado, do telefone que tocava para avisar só nascimento, das pessoas que não gritavam, do respeito e cuidado com as palavras para não ferir com inúteis exclamações sem procedência, da gentileza no tratar, do provérbio que cara feia é dor de barriga ou fome. Atualmente a antipatia e a falta de educação levam o nome de individualidade.

Hoje não existem mais os braços paternos e a benção materna, de sua boca já não nascem flores, a rainha virou bobo da corte, a descrença não olha pro céu, a morte é tão certa que escada ou gato preto viraram prenúncios de sorte por ainda estar viva, a barriga cresceu de tanto sapo engolido, sensível é um estado de espírito falido.

O malandro sem ópera fez “psiu” para acordá-la. Ela tinha fechado os olhos enquanto passava a vida a limpo.
Ele sabia o quanto a tinha cutucado ainda que sem querer.
— Sofreu muito com a lembrança do que já foi, perguntou de forma gentil?
— Sim.
— Toma o chope do perdão comigo?
— Regado a sorrisos?
— Lógico.
— Será que com a espuma do seu astral nasce uma dália rosada em meus lábios? Ela significa delicadeza! Sinto tanta falta dela.

— Que tal tentarmos um jardim?
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 21/01/2009
Alterado em 26/09/2014
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